domingo, 30 de janeiro de 2011

Assuntos mundanos

Saiu do canto da sala com seus olhos baixos e se apresentou a mim: “quero ler o meu primeiro livro de literatura”. Assustado, em meio a uma explicação sobre os escritores modernos, pertencentes a primeira e revolucionária geração, fitei-o com meu olhar de espanto e perante a classe fui logo lhe apresentando algumas poesias de Manuel Bandeira, ainda um pouco capenga por se tratar do ranço parnasiano. Talvez ele tomasse coragem e se levantara por assim exigir perder a timidez diante da classe e se mostrar corajoso e inteligente, acredito que se fosse com uma menina de sua idade ele não chegaria com tanta vontade como chegou à barba deste professor que narra.

A sala de aula ficou em silêncio e diante daquele gesto feliz as almas que ali se alimentavam de cultura aplaudiram-no por dentro. Tenho certeza que saiu fortificado depois dessa atitude. Era o homem da sala, talvez do colégio. Seria um adulto respeitado, um profissional de sucesso? Não sei, mas exaltei aos céus por tanta alegria.

Na semana seguinte disse-me já ter lido Machado de Assis passando pela trilogia: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Quincas Borba” e “Dom Casmurro”. Não parou por aí, pois já classificava o Bruxo do Cosme Velho em Romântico e Realista e ameaçava soltar um ensaio classificando-o como modernista. Parece que a literatura já estava em suas veias só necessitava ser despertada. Descobriu Guimarães Rosa e agora almejava ler os escritores internacionais. Iniciou por Kafka e seu “O Processo” e desaguou em “América”, um conto menos conhecido do escritor tcheco.

Passou pelos russos, pelos americanos, pelos japoneses, até a literatura árabe ele ousou descobrir e proferir sua embasada opinião. Hoje ele fala de literatura como quem fala de assuntos mundanos em um boteco.

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