sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Hoje não é mais Natal.

Véspera de Natal, tumulto nas lojas da cidade, os shoppings lotados e numa das lojas em que visitávamos chegou até mim a segurança e exclamou: “Olha só como as pessoas estão mais calmas, esbarram em ti, pedem desculpa”. Continuo a prestar atenção: “Não é assim os outros dias do ano, isso acontece por esse clima de Natal, depois tudo volta à mesmice; o Homem mostra a sua face”. Só concordei... estava com a Valentina no colo e ao mesmo tempo que prestava atenção nos movimentos pueris de minha filha, admirava a reflexão poetizada da segurança de uma das lojas daquele centro comercial.
De fato o ser humano não aprendeu a estender esta data, uma data sagrada para o mundo cristão, capitalizada pelo mundo globalizado e ávido pelo dinheiro, porém um momento que se faz necessário para pararmos e refletirmos sobre os nossos movimentos, nossa situação, pensarmos no nosso futuro, nas nossas decisões, planejarmos, finalizarmos o ano que pode não ter sido tão saboroso. Nem de momentos abastados e felizes vive o Homem, os tristes são partes desta jornada e merecem suas justificativas, pois o efêmero caminha conjugado com o nosso tempo e tão façamos como Borges que dizia: “a vida é tão pequena para ser curta”, então cidadão – aproveite-a. Faça desses momentos infelizes, situações essenciais para o seu crescimento, para sua evolução. Desanime quando sentir vontade, mais saiba que são estes momentos e você merece muito mais momentos felizes que estes complexos momentos de desânimo. Não faça uma tempestade em um copo com água. Saia, curta sua família, leia, namore, invista numa paixão. Cante, dance, grite quando desejar, mas não se altere, procure manter a serenidade, pois é com ela que conseguiremos sentir esse desejo realizado. Aproveite a cada momento.
O quão seria bom sempre ouvir um bom dia exclamado com veracidade, com a vontade de que aquele dia seja de fato bom. Relatar e ser de fato ouvido pelos pares, que não se cansarão de emitir suas dúvidas; que bom seria ser sempre levado por motoristas de ônibus educados, comprometidos com a sua função, assim, também, com cobradores que farão desta profissão um exemplo de educação a ser seguido; menos policiais truculentos com mais amor em seus corações, menos bandidos vorazes, inescrupulosos, menos sádicos; quão inefável poderia ser o coração daquele vizinho desalmado, pai e mãe de um filho de apenas seis anos que perambula pelos corredores do condomínio durante a madrugada; desejaria que aquele atendente de supermercado agisse sem discriminação com aquele que tem dinheiro e o outro que parece não ter (as aparências continuam a enganar...); desejaria aquele beijo sincero, aquele abraço apertado e a mão dada com confiança (nem muito forte, nem muito fraco o apertão); desejaria que os jornais, em nome da venda, não mais difundissem matérias grotescas, sem escrúpulos, dotadas do viés político-partidário.
Hoje já não é mais Natal, as ruas correm calmas, a chuva cai, muitos dormem, outros curtem as suas merecidas férias, mas será que serão pacíficos, educados o resto do ano? Resta esperar, contar com a Esperança e a de que um dia tudo isso vai mudar. Sigamos o nosso caminho, modifiquemo-nos se for preciso e conclamemos aos demais para que ajam como se hoje, amanhã e depois fosse Natal.


quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Não é apenas mais um texto

Sou a favor daqueles que depositam no papel suas ideias estabelecidas, formuladas, organizadas. Nada de colocar na folha em branco palavras desconexas, frases que esperam para serem rimadas, conversas sem objetivo e depois dizer que tudo não passava de Concretismo, Dadaísmo ou qualquer ismo que os acadêmicos deliberem como importante para a nossa Literatura.
Lembro-me da tão importante crônica de Rubem Braga (nosso maior cronista), Meu ideal seria escrever, e seu lirismo em descrever as nuances da escrita. Mesmo ao longo de alguns anos orientando alunos, concurseiros e vestibulandos na luta pela busca do texto perfeito, não me considero dono de um bom texto, faço o que é preciso, ou seja, leio muito, às vezes em demasia (o que não é nada mal), porém tenho sim que mostrar aos meus pares que tudo aquilo que passo através de regras e teorias estão inseridos no meu texto. Certa vez li que 90% dos professores de Redação não escrevem bem, tentam, outros menos, mas os seus textos não chegam a serem medianos. Pois bem, passar a teoria, demonstrar algumas regras etc. é fácil, quero ver o cidadão provar ao seu aluno que ele, professor, é capaz de confeccionar o seu texto ideal, como aquele que o Braga tentou e dizia nunca ter concluído-o.
A escrita, mesmo os nossos mais respeitados cronistas, parecem adormecer nesse marasmo, que pegou a todos (ou apenas eles?). Sou fã do Fabrício Carpinejar, da Martha Medeiros, da Lya Luft, mas não dá, parece que os caras resolveram montar um consultório amoroso nas suas crônicas. Ocupam páginas para realizar aquilo que a autoajuda vem fazendo. Lembro-me do Fabrício e seus casos no jornal Zero Hora, mas depois que se tornou consultor amoroso do programa da Fátima Bernardes parece que o mingau desandou, ou seja, não consigo mais lê-lo; da mesma forma acontece com a Medeiros, que teve um de seus livros Globalizado (vide Rede Globo de Televisão) e nunca mais assumiu o seu fiel papel de cronista.
Passamos por profundas e irreparáveis perdas (e ganhos, vide Lya Luft), porém o cronista deve sair dessa mesmice, aproveitada pelo lucrativo mercado da autoajuda, e passar a se dedicar mais aos assuntos menos tocados, escondidos, trancafiados. O cronista deve sim acompanhar o tempo, porém não se especializar num determinado tipo de assunto. O Sclyar escrevia sobre tudo, o Cony continua com sua veia política, mas ainda permanece como um fiel escudeiro deste gênero. O Loyola, o filho do Mário Prata, o Hatoum, ainda impõem a robustez que a crônica merece.
O que diriam nossos renomados e falecidos cronistas: Drummond, Vinicius, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, João do Rio, Fernando Sabino, Caio Fernando Abreu, Armando Nogueira? Monstros sagrados deste gênero tipicamente nacional, dono de textos que encantaram e encantam gerações, construções que passeiam pelos salões pelo seu lirismo, sua poesia, maestria de Gênios que realmente tratavam-na como um elemento simples, porém carregado de magia e a nostalgia que ela ainda merece.

Ao escrever, pare, reflita, e tente demonstrar o seu melhor e se não der, procure rasgar ou apagar como fazem os digitadores, pois quem ganha são os seus leitores. Não se satisfaça, pense, pense naqueles que o lê.

Pedalar eu vou!

Tornar as ciclofaixas e o ciclismo parte do dia-a-dia do brasileiro é uma tarefa árdua, hercúlea. De um lado nossa cultura, alicerçada no comodismo, na obtenção do “tudo fácil”; do outro as pífias e restritas políticas em benefício dessa parte da população.
Os veículos automotores são fruto do consumismo nacional, qualquer cidadão sonha com os dezoito anos para obter a sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e depois dessa etapa concluída, galgar o degrau do tão sonhado veículo, mesmo que seja em até 72 vezes para pagar. O carro é cômodo, prático e reflete poder (aquisitivo e superioridade aos veículos menores). Além disso, os transportes públicos como o ônibus e metrô alcançaram a “zona da degola”, ou seja, vive-se o caos diante do público e parco serviço de transporte urbano. Ônibus cheios, motoristas e cobradores despreparados e sem contar o número restrito de veículos circulando pelas ruas. Não é de hoje que os reclamos ecoam, porém pouco foi feito, apenas prometido.
E não limitamos o cidadão a este problema, a política da quantidade estabelecida pelos nossos governantes sucumbe à ausência de planejamento. Quilômetros de ciclofaixas, porém inúmeros obstáculos ao longo dessas pistas específicas como: postes, árvores, buracos, além da falta de sinalização adequada. E são gastos desnecessários, mas para isso há que se arquitetar evitando os remendos. O ciclista sofre com o menosprezo social, convive com a truculência dos motoristas de veículos maiores e é obrigado a se calar diante de opiniões  carregadas de preconceitos e pré-julgamentos comparando-nos a outros países, cuja bicicleta é parte da cultura.

Convivemos com o modismo, com o preconceito, com o descaso dos nossos governantes e os brados do senso-comum, no entanto não podemos sucumbir diante das emissões de “poluentes”, estes que matam, minam muito mais a expansão dessa cultura, desse meio de transporte, que será sim o viés para o caos no trânsito e sua poluição. Manifestemo-nos, deixemos de olhar as bicicletas como fruto do lazer e do esporte e passemos a analisá-las com a visão da modernidade crítica, avessa ao descaso e ao retrocesso.

sábado, 7 de junho de 2014

Um Fim de Soneto


Ontem já faz tempo
Hoje é um reparo
Amanhã quem sabe
Acho que faz tempo

A vida sopra
Os dias passam,
Mas não reparo...

Olho pra trás
Vejo as escadas não escaladas
Os dias não percorridos
Um tempo perdido...

Enfim, mais um...
Finito, um sinônimo
A morte um fim!

(Sérgio Augusto Sant’Anna)


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ser


Gostaria de escrever um texto que pudesse atender aos anseios de diversos tipos de leitores, mas escrever “aquele” texto. Um texto que pudesse ser divulgado pelos mais importantes órgãos da imprensa escrita, assim como os jornais que assim quisesse fazê-lo. Seria feliz!
O meu texto não seria destes que ocupam páginas inteiras e não diz nada, apenas um blábláblá corriqueiro que não acrescenta. Levá-nos ao tédio, a aversão à leitura, ao ódio por alguns autores. O meu texto seria destes lapidados, burilados, feito por um ourives, pensaria muito antes de digitar as primeiras e decisivas palavras. Já vou logo avisando, o vocabulário não seria rebuscado, pois o meu texto é democrático, almejo atingir a massa, fazer com que as pessoas sintam prazer ao ler, chegar ao gozo, inspirar-se, ter um dia, uma vida melhor, mas também não farei textos de autoajuda, continuarei trilhando o caminho da crônica, árduo, estreito, mas prazeroso.
O texto que produziria seria aquele que as crianças e adolescentes pudessem ler e retornar a lê-lo, pois fiz um texto com sabor, doce, desses que dá pra sentir o gosto, exaltar ao olfato. É lógico que também almejo escrever um texto em que possa ganhar dinheiro e que possa sustentar minha família dignamente. Desejo continuar comprando meus livros, alimentando minhas filhas e também fazendo com que elas desejem ler, sintam o desejo pela leitura. Sei que as editoras são difíceis, escolhem seus escritores na ponta do lápis, mas vem cá: escrevo bem...
Queria escrever um texto em que minha esposa chegasse em casa e dissesse que o leu no trabalho, que discutiu a estética bakthiniana com os colegas de Letras e que ele havia se espalhado pelas bocas da Ciências Sociais. Também queria receber uma carta de um linguista famoso que pudesse me contradizer, criticar-me com acidez e depois os meus leitores via redes sociais pudessem me defender e estabelecer um debate de idéias e consistentes argumentos.
O texto que escreveria seria respeitado pelos mais talentosos homens da escrita brasileira: João Ubaldo Ribeiro faria a sua análise, Marcelo Rubens Paiva também; o Fabrício Carpinejar não deixaria de me elogiar, assim também aconteceria com o Caio Ritter que elogiaria, mas seria prudente e necessários os seus “toques”. Quanta beleza, que plêiade de críticos literários reunidos para opinar sobre o meu texto.

Escreveria um texto que os jornais venderiam tanto, mais tanto, que desejariam os leitores a continuação daquela crônica e no outro dia outra e mais outra até tornar-me um cronista pleno. Continuaria ministrando as minhas aulas, mas acrescentaria na lápide professor o vocábulo escritor, a mais importante e talvez decisiva palavra no processo de leitura. Escritor pra sempre. Escritor para a eternidade...

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Nostalgia e quinquilharias


                Semana passada tentei arrumar algumas das centenas de livros que tenho. Resultado: apenas mais algumas pilhas refeitas. Acabei pegando mais alguns para realizar algumas consultas, outros que realmente desejava lê-los, relê-los. As minhas filhas Valentina e Beatriz adoraram a organização: livros ao chão e elas descobrindo folha a folha, página a página os escritos deixados por nossos mais importantes escritores. A Bia desde os seus três meses via-se em meio às montanhas de livros, viajava conosco pelas ruas das feiras de livros e o shopping tinha a sua atração preferida: a livraria. Até hoje deseja os livros como presentes. Já a Valentina completou o seu primeiro aninho e os livros já fazem parte do seu cotidiano. Quer pegá-los, passar pelas figuras, mas, ainda, é maior o desejo por rasgá-los.
                Ao passar pela minha paixão foulcatiana, depois deliciar-me com as exposições nietzschianas e alguns romances do meu amado Lima Barreto fui encontrando as diversas quinquilharias que armazenara ao longo destes anos. Tenho essa mania de guardar roupas, calçados, livros e outros acessórios que fizeram parte da minha história (quem sabe um dia possa estar num museu. Será que no da minha terra natal, Taquaritinga?), e sempre quando tento realizar estes feitos organizacionais parece que me encontro com o passado. Passei por algumas camisetas da “Pakalolo” (1994), um quichute de 1986 (foi com este que fiz alguns dos antológicos gols nos campinhos de várzea da vida, uma pena naquela época não poder registrá-lo através de celulares e semelhantes, porém a memória não esquece aquilo que foi bom), fitas cassetes, LPs, bah! Muita coisa... Confesso que a Beatriz fica perplexa com essas antológicas relíquias, mas as trata com certo desdém. Também quinquilharias aos montes!

                Mas o que me chamou a atenção foram os diversos controles-remoto que achei. Um do DVD, outro das TVs, até um UHF encontrei (aqui não é a loja do Titinho Libanori lá de Taquaritinga, mas tem de tudo). Foram vários controles, dezenas, cada qual de uma época, cada qual pertencente a um aparelho eletrônico. Antes da internet existir eu já usava controle-remoto, porém a primeira televisão em cores que meus pais compraram foi lá em Ribeirão Preto nos anos 80 e por azar um ladrão assaltou-nos e a levou. Ficamos anos sem TV, eu assistia aos meus desenhos, novelas e filmes na casa dos meus avós que ainda tinham em suas TVs o sistema de UHFs. Foi só no início da década de 90 que compramos a primeira TV, esta já com seu controle-remoto. Sensacional. Daí em diante foram outras, alguns aparelhos de som, dentre outras porcarias como DVDs etc. Acumulei-os (controles-remoto) e com eles carrego parte de minha vida, um pouco da minha história. Minha família: ontem e hoje.

sábado, 3 de maio de 2014

A caneta do escritor

A caneta em minhas mãos percebe o meu subjetivismo impregnado neste coração que cansa, mas não desiste de batalhar. Quando a empunho parece que as forças se juntam e ainda vejo a luz se acender.
Da janela do apartamento vejo o vento soprar rude, indisciplinado, assoviando ao mais alto tom e sem problemas continua a balançar as copas das velhas e gastas árvores que ainda imperam nos jardins deste condomínio. Senhoras que caminham de um lado para o outro parecendo não se importar com nada, outras tomando chimarrão na grama da praça, conversando sobre amenidades, sobre a felicidade e ele ali aflito, desiludido a espera de uma solução. Os cachorros correm, outros obedecem aos seus donos, o guarda apita, bronqueia-se com o condômino. Do alto das suas janelas duas mulheres discutem, batem-boca, e o tempo passa, os problemas continuam, as tristezas aumentam, as alegrias também passam, acontecem, mas parece que não notamos. Casamentos são feitos, realizados, outros se desfazem. Alguns nascem do mais simples e puro amor, outros realizados pelo acaso, há àqueles que se somam pelo poder, porém àqueles que se esfacelam, crescem com a falta de compreensão, com o exíguo diálogo; outros pelas amenidades, através das desilusões, da ausência de sentimentos, da simples e pura falta de enfrentar juntos, ganhar juntos, conquistar  juntos, perder juntos. Enquanto escrevo um senhor grita, repreende sua filha e ela afirma: “Mas não fiz nada”. É dessa incompreensão que falo, é dessa ausência de sentimentalismo que brado, é desse ar triste que reclamo. Sei que não nascemos para ser tristes, infelizes, porém estes são empecilhos e de uma maneira ou outra estarão ao nosso lado. E é de forças que necessitamos, principalmente a união, uma maneira de nos fortalecermos, visualizarmos os mesmos campos, com posições distintas, mas almejando a felicidade.

O escritor capta isso, absorve estes detalhes, entristece com os acontecimentos, pois somos sensíveis, também sofremos, passamos por diversos momentos angustiantes, que parecem sem solução, mas sempre avistamos os verdes vales a brilhar...

domingo, 6 de abril de 2014

“Estupra, mas não mata”: Amélias, Dandaras e Nanas.

Erros a parte trazidos pela falha humana não podemos apagar algo que se mantinha velado e dormia no absurdo. 65% ou 26% não importa, o ponto principal foi emergir o preconceito contido no coração humano. A mulher sempre foi tratada como um ser inferior, seja pela literatura, pela história ou mesmo pelos dados estatísticos que representam a realidade.
                Saída da costela de um homem, pecadora por comer do fruto proibido a mulher foi selada a parir e adorar ao seu homem. Pronto. Estava delineado aí o sexo feminino. Esta era a mulher. Aquela cantada e dicionarizada “Amélia”, mulher de verdade. Passava, cozinhava, servia ao seu marido. Não trabalhava fora. Era dona de casa. Não tinha a força de Dandara, não queimou sutiãs, muito menos votou quando Getúlio abriu as portas para as urnas. Não lutou por melhores salários nas empresas, não teve tempo para ler um livro. Gostaria de ter lido “Madame Bovary” de Flaubert, mas este foi lhe tirado das mãos pela censura da época e pelo marido rígido que havia se conjugado.
                Tentou participar das Diretas Já!, mas esta oportunidade também furtaram. No período ditatorial tentava acompanhar as notícias por alguns periódicos que a vizinha depositava no lixo, porém o marido descobriu e a avisou que naquela casa a mulher era subordinada ao homem e a leitura obscurecia o pensamento puro e racional.
                Acreditou que tinha se casado por amor, mas não era paixão. Foi obrigada a se casar pelo pai, que a achava velha e logo não poderia mais parir. Casou-se com um amigo de seu pai, homem trabalhador, Oficial do Exército, bom partido, segundo seu pai. Pediu a opinião da mãe, mas esta era serviçal de seu pai e apenas repetiu o discurso paterno. Sofreu com os olhares e mãos ao escuro daquele que se fez pai, cresceu e escondeu isso da mãe. Continuou a ser violentada, porém agora pelo marido que a tinha desposado. O amor que um dia as amigas pequenas tinham dito para ela era apenas um sonho, distante, pois a relação entre ela e seu esposo era absurda, como muitos casamentos hoje. Não saia de casa. Não freqüentavam festas, não saiam para jantar. Quando ela saía era para visitar a mãe e seu velho e rabugento pai. O marido fazia as compras, dinheiro era com ele, nenhum tostão passava pela carteira feminina. As roupas apenas as compridas, acima do joelho nem pensar.
                Com o passar do tempo tentou denunciar o esposo, mas era ameaçada, vivia a se lamentar. Abusada por dois ladrões que adentraram à sua residência, relatou o caso ao marido, mas foi brutalmente agredida e ficou assim...
                Esta  é a história de muitas mulheres brasileiras, que mesmo com leis, meios de comunicação continuam sendo um ser subordinado, violentado, jogado ao último plano. E não é só isso: homens dotados de seu instinto animal saem por ônibus, metrôs, a fim de se encostarem, passarem às mãos nas partes íntimas do sexo feminino. E não paramos por aí, mulheres são violentadas, abusadas sexualmente. Se não bastasse este crime hediondo, vivemos numa sociedade preconceituosa, capaz de afirmar e culpar as roupas curtas pelos abusos. Ora brasileiros de conduta ilibada e de moral acima de qualquer crítica, vão colher batatas, procurar resolver esse preconceito, uma doença. Tamanho juízo leva-me as palavras de um antigo político, eleito com os votos de muitas mulheres, e ainda ocupante do posto de deputado federal: “estupra, mas não mata”. Um absurdo! Algo execrável.
                Mesmo com o erro do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) não podemos baixar a guarda e sepultar o assunto. Manifestações inspiradas na campanha da jornalista Nana Queiroz devem se proliferar e estimular mulheres vítimas dos abusos a denunciarem seus agressores.

                Em um País que se vangloria por ter uma Presidenta da República, não podemos deixar que atitudes arcaicas e repugnantes se expandam contra o sexo feminino. Amélias, não! Dandaras, sim!

segunda-feira, 24 de março de 2014

Escritor ou não: tu procrastinas!



                Esta aí um verbo de difícil conjugação. Antes de conjugá-lo faz-se necessário o domínio de seu significado, pelo contrário não há necessidade de colocá-lo nas pessoas do verbo.
                Sei que com muitos dos colegas que converso, principalmente com aqueles que fazem uso da escrita, todos são decididos ao afirmarem: nós procrastinamos. E quem ousou não procrastinar? Este vocábulo me remete ao soar do pecado, ao ferir a doutrina divina, ao descumprir os mandamentos, ao impor seu ócio preocupante a frente de seu ócio labutador (existe?). Parece que continuamos devendo, falta algo, não cumprimos com o nosso dever, é bem isso. Ligou o editor e pediu a matéria para o jornal de amanhã, cadê o seu artigo? Onde estão suas duas crônicas para aqueles jornais que tu escreves? Compromisso é compromisso! Assumiu, há de cumprir!
                Mas somos uma nação de procrastinadores, seres acostumados a deixar tudo para amanhã, adiamos ao máximo compromissos que nos estabelecem prazos. Somos levados ao último e derradeiro dia para quitá-los. As longas e quilométricas filas são sinônimo da nossa procrastinação, do estabelecimento da nossa preguiça, das nossas heranças indígenas (quem sabe?) ou talvez a natureza trazida pelos nossos colonizadores. Também quem resiste a uma festa com os amigos, ao encontro dos filhos numa festa infantil,  de uma conversa facebookiana ou mesmo aquele capítulo da telenovela das vinte e uma horas. Todas estas oportunidades são uma pedra no caminho daqueles, principalmente, que escrevem. E quando ainda não conseguimos sobreviver integralmente da profissão escritor aí sim o bicho pega, ou seja, é muito mais complicado, tudo se torna mais difícil. Provas para corrigir, aulas para elaborar, livros para serem lidos nas datas marcadas, além de uma série de elementos burocráticos que atravancam nossos destinos. E a quantidade de redações que ainda temos para corrigir quando somos professores de Língua Portuguesa?

                Outro dia me ligaram: “E aí, Sérgio? Tudo bem?”.  Respondi que sim. Era do jornal. Desejavam os meus textos, aqueles semanais. Seria falta de organização? Talvez. Será que aquele trabalhador que vive da luta no campo procrastina? Será que deixa de acordar cedo, pela madrugada? Esquece da sua bóia que chega fria ao seu trabalho? Não, este não. Ele é o alicerce, é subjugado pela sociedade, menosprezado pelos cidadãos, pouco amado pelos patrões, explorado pela nação. Este não tem como procrastinar, pois quando ele parar a sociedade sentirá e aí sim reclamarão, pois não há ninguém que possa fazer o serviço deles com primor, sem procrastinação...

sexta-feira, 14 de março de 2014

As impressões de Caminha e o banheiro


            Entrei naquele banheiro e me desesperei. Estava por fazer nas calças, porém fui salvo quando passava por aquela avenida extensa e movimentada e decidi parar ali, num shopping que inaugurara há dois meses e continha em sua estrutura e decoração as mais modernas e criativas obras da arquitetura.
            Na entrada não tive tempo de apreciá-lo, pois o banheiro me aguardava e era um caso vital, de calamidade nacional ocasionado pela feijoada enriquecida que tinha consumido na noite anterior. Ao entrar no banheiro não tive tempo para mais nada. Era eu dialogando com um dos tronos imponentes daquele mictório. Sentei-me, parei de suar e esperei pela conclusão da obra. Não deveria ser interrompido, silenciei ao meu celular, recados familiares e escolares foram impedidos de me ocuparem. Era um momento único, de eterno encanto, da análise do cotidiano...
            Olhei para o teto e as luzes me impressionaram pelo seu designer, pelas formas geométricas que as moldavam; os azulejos, donos de um branco dantes nunca visto. Reagia eu como Caminha ao relatar ao rei de Portugal o descobrimento de terras brasileiras e seu tesão pelas índias brasileiras. Era os detalhes, a beleza das formas, o cheiro aromático exalado pelo perfume do mais perfeito produto químico já inventado na história deste País. As portas reforçadas, rígidas, uma madeira que me fez buscar um perito no assunto, dentro daquele recinto comercial, para poder me explicar à dureza daquele monumento. Uma parte era de lei (madeira eficiente), outra, ornamental, de charão da China.
            O vaso dava pena de vê-lo diariamente ser estragado, abusado pelos mais inexplicáveis borrões e urina deixados pelo completo descuido masculino em lidar com o pênis nestas situações. Somos sim o sexo que não sabe mirar a boca do vaso quando vamos fazer xixi. Levantar a tampa, então... Branco vaso, dotado de cacos milimetricamente arranjados, que em contato com as luzes tornava-se um show, um espetáculo das artes, uma exposição ao estilo dos museus contemporâneos. O chão limpo, brilhoso, intacto. As torneiras da pia sentiam a sua presença e jorrava água, esta que também poderia ser bebida segundo bilhete num painel de led que aparecia afirmando a presença de cada indivíduo naqueles assentos. Quando terminei de realizar o serviço automaticamente um censor vermelho brilhava naquela válvula da descarga e a água varria a sujeira, era um mar, algo que assustaria Hidra, Netuno e companhia. O papel higiênico, estrategicamente colocado, desenrolava-se em metros e assim poderia executar a limpeza com primor. Aos mais sensíveis eram dispostos lenços umedecidos, aromáticos. Na saída, por outra porta, depois da lavagem das mãos, algo triunfal, fechar com chave de ouro, uma mesa com tipos de café (com ou sem açúcar) e alguns tipos de chá.
            Uma ida ao banheiro nunca demorou tanto, superei minha esposa e todas as mulheres, passei horas ali (dentro do banheiro, é lógico!), pois queria ler as notícias dos periódicos, mas desta vez estava acompanhado do meu tablet e pude sim ler de maneira sossegada, coberto pelo silêncio e amparado pela tecnologia.
            Quem foi que disse que homem não gosta de ir ao banheiro?

            P.S.: Não tive tempo de conhecer as demais dependências daquele shopping.