domingo, 6 de abril de 2014

“Estupra, mas não mata”: Amélias, Dandaras e Nanas.

Erros a parte trazidos pela falha humana não podemos apagar algo que se mantinha velado e dormia no absurdo. 65% ou 26% não importa, o ponto principal foi emergir o preconceito contido no coração humano. A mulher sempre foi tratada como um ser inferior, seja pela literatura, pela história ou mesmo pelos dados estatísticos que representam a realidade.
                Saída da costela de um homem, pecadora por comer do fruto proibido a mulher foi selada a parir e adorar ao seu homem. Pronto. Estava delineado aí o sexo feminino. Esta era a mulher. Aquela cantada e dicionarizada “Amélia”, mulher de verdade. Passava, cozinhava, servia ao seu marido. Não trabalhava fora. Era dona de casa. Não tinha a força de Dandara, não queimou sutiãs, muito menos votou quando Getúlio abriu as portas para as urnas. Não lutou por melhores salários nas empresas, não teve tempo para ler um livro. Gostaria de ter lido “Madame Bovary” de Flaubert, mas este foi lhe tirado das mãos pela censura da época e pelo marido rígido que havia se conjugado.
                Tentou participar das Diretas Já!, mas esta oportunidade também furtaram. No período ditatorial tentava acompanhar as notícias por alguns periódicos que a vizinha depositava no lixo, porém o marido descobriu e a avisou que naquela casa a mulher era subordinada ao homem e a leitura obscurecia o pensamento puro e racional.
                Acreditou que tinha se casado por amor, mas não era paixão. Foi obrigada a se casar pelo pai, que a achava velha e logo não poderia mais parir. Casou-se com um amigo de seu pai, homem trabalhador, Oficial do Exército, bom partido, segundo seu pai. Pediu a opinião da mãe, mas esta era serviçal de seu pai e apenas repetiu o discurso paterno. Sofreu com os olhares e mãos ao escuro daquele que se fez pai, cresceu e escondeu isso da mãe. Continuou a ser violentada, porém agora pelo marido que a tinha desposado. O amor que um dia as amigas pequenas tinham dito para ela era apenas um sonho, distante, pois a relação entre ela e seu esposo era absurda, como muitos casamentos hoje. Não saia de casa. Não freqüentavam festas, não saiam para jantar. Quando ela saía era para visitar a mãe e seu velho e rabugento pai. O marido fazia as compras, dinheiro era com ele, nenhum tostão passava pela carteira feminina. As roupas apenas as compridas, acima do joelho nem pensar.
                Com o passar do tempo tentou denunciar o esposo, mas era ameaçada, vivia a se lamentar. Abusada por dois ladrões que adentraram à sua residência, relatou o caso ao marido, mas foi brutalmente agredida e ficou assim...
                Esta  é a história de muitas mulheres brasileiras, que mesmo com leis, meios de comunicação continuam sendo um ser subordinado, violentado, jogado ao último plano. E não é só isso: homens dotados de seu instinto animal saem por ônibus, metrôs, a fim de se encostarem, passarem às mãos nas partes íntimas do sexo feminino. E não paramos por aí, mulheres são violentadas, abusadas sexualmente. Se não bastasse este crime hediondo, vivemos numa sociedade preconceituosa, capaz de afirmar e culpar as roupas curtas pelos abusos. Ora brasileiros de conduta ilibada e de moral acima de qualquer crítica, vão colher batatas, procurar resolver esse preconceito, uma doença. Tamanho juízo leva-me as palavras de um antigo político, eleito com os votos de muitas mulheres, e ainda ocupante do posto de deputado federal: “estupra, mas não mata”. Um absurdo! Algo execrável.
                Mesmo com o erro do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) não podemos baixar a guarda e sepultar o assunto. Manifestações inspiradas na campanha da jornalista Nana Queiroz devem se proliferar e estimular mulheres vítimas dos abusos a denunciarem seus agressores.

                Em um País que se vangloria por ter uma Presidenta da República, não podemos deixar que atitudes arcaicas e repugnantes se expandam contra o sexo feminino. Amélias, não! Dandaras, sim!

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