Os
ventos das tardes primaveris escorrem aos fios de cabelos longos, balançam-nos
como os detalhes poéticos das mais importantes obras literárias. E o calor
matutino, que se aquece com a tarde que se aproxima divide e identifica esta
Estação do Ano. O anoitecer demora a chegar e os dias mais longos parecem
ficar. O pássaro canta mais alto, as crianças se misturam nos parques e os
amigos se encontram para mais um mate.
Das
janelas dos pequenos prédios os vizinhos se acenam, há aquele que evita se
comunicar através dos gestos, mas no fundo é um voyeur. A mulher recolhe as roupas que se encontram no varal,
enquanto um senhor apara a grama com aquelas máquinas arcaicas. Mais adiante o
síndico passa e não cumprimenta ninguém, aumentou abusivamente ao preço do
condomínio. Mas alegre o guri que cuida da limpeza passa desejando bom-dia a
todos, com aquele sorriso branco e verdadeiro. Num dos bancos lá da frente, o
mesmo de todos os dias, Agenor fuma o seu primeiro cigarro... serão muitos ao
longo do dia. A responsável pelas mensagens inverídicas saiu cedo, deve estar
em alguma das vizinhas que se responsabilizará por emitir mais uma de suas
missivas elaboradas por sua mente fictícia. Daqui a pouco todos estarão sabendo
do casamento rompido, da gravidez da mãe solteira, do relacionamento entre dois
homens, tudo apimentado pela sua saliva ofídica.
Do
apartamento ouve-se as camas se arrastando no andar de cima, no do lado o pai
agride a filha com palavras e mesma jura denunciá-lo à polícia. Já no andar de
baixo a senhora reclama das festas que são feitas até altas horas regadas ao
samba carioca e muita cerveja. Gritos e sussurros são emitidos ao aproximar da madrugada, as janelas
abertas com o calor que tenta se intensificar denuncia o cio que não quer calar.
O poder é grande, a corrupção corre solta, pois ali mesmo está um dos acusados
neste tal de “Mensalão” que tentam emitir, porém ele já anuncia que será
candidato a Deputado Estadual nas eleições de 2014. Ele lida com os elementos
que a Justiça lhe fornecera, trabalha com aquilo que permitiram, estaria ele
fora da Lei?
As
árvores são muitas, os canteiros cuidados, as quadras bem iluminadas, porém
durante a noite os adolescentes se reúnem para uma pausa... é hora de fumar
mais um cigarro... os pais fingem que não sabem, mas ao fundo sabem sim, querem
e se livrar desses guris questionadores, levantadores de indagações,
problematizadores natos. Neste momento a mãe se concentra na telenovela das
vinte e uma horas e o pai aproveita para ler o jornal. O local se vangloria por
ter uma biblioteca, porém ela se habita de livros de autoajuda, acumula-se de
“sabrina”, avoluma-se de “paulo coelho”, agita-se das fatídicas revistas
“contigo”. Como fazer com que uma população desse calibre evolua?
Da
janela o som de mais um avião que decola, levando um condômino que se muda.
Durante a noite as suas luzes piscam anunciando a sua partida e aquele que dali
deveria sair permanece fortalecido, alimentado pelo vício do egoísmo, pela alma
evangelizada pelos desvios bíblicos mal interpretados e por mente assassinada
pela loucura de querer tropeços e percalços na vida de seus semelhantes.
Não
pensem que só é a maldade que ali impera, reside a alegria, a bondade, a
fraternidade e até o amor, mas estes aparecem de vez e outra, apenas quando é
alimentado...
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