O ônibus estava cheio como de
costume. Dezenas de pessoas em pé, segurando-se, apoiando-se uns aos outros a
fim de manterem o equilíbrio. Outros que tentavam seguir corredor a dentro,
rumo às portas que se abriam para a descida de mais alguns, roçando-se,
disputando lugares com bolsas, mochilas, que a cada década insistem em aumentá-las
(quando era criança já falavam contra o peso exagerado das mochilas e bolsas
femininas). Lembrei-me de Nelson Rodrigues e sua “Dama do Lotação”. Brancos,
negros, pobres, ricos, idosos, jovens, crianças, gestantes, muita gente,
principalmente nestas primeiras horas da manhã. Rumo ao trabalho. Ao labor. Ao
sabor. Ao saber. Ao dialogar. Ao implicar. Enfim, “tripalium”. Ninguém trabalha pensando em não ganhar nada ao final
do mês. Ao menos um “obrigado” ou um “não gostei”.
O
motorista cada dia mais mal-humorado, talvez não tenha recebido o salário
naquele mês, tenha brigado com a namorada, tenha sido advertido pela ex-esposa
por não ter pago a pensão do filho naquele mês, tenha que pagar o conserto do
carro que ele quebrou o retrovisor na semana passada, tenha enchido a cara na
noite anterior e se encontrasse de ressaca (fortes dores de cabeça), ou tenha
sido deixado pelo amor desejado, não tenha gostado do final da telenovela das
21horas, mas ele tem que realizar o trabalho dele, eu tenho que executar o meu
trabalho, nós temos que exercer as nossas funções profissionais. Ah, ele pode não
gostar daquilo que está realizando, porém o mundo gira e, (in) felizmente, não
temos nada a declarar, a vida é dele...
Opa!
Mais uma freada brusca. Calma! Grita o guri lá do último banco. O cobrador
sorri. O motorista exclama: “Estamos na
velocidade permitida”. Segue a vida, o ônibus segue o seu curso. Mais uma
parada, sobem mais alguns seres humanos: mulheres maquiadas, outras com a
bochecha rosada, algumas com os cabelos por pentear. O cara parece que a mulher
não passou suas calças, mas quem disse que é a mulher quem tem que passar? Aquele
passa cremes na pele, o outro pinta as unhas como o Fabrício Carpinejar, mas e
daí? O que tu tens com a vida de seu semelhante? As janelas são abertas, odores
se misturam, alguém brada: “Fecha a boca, cobrador!”.
Uma senhora de pé, a grávida de pé,
a mãe com a criança no colo de pé, aquela obesa de pé, e nos bancos
referenciados aos idosos, gestantes, mães com crianças de colo, obesos etc. todos
ocupados por estudantes, que todas as manhãs se aventuram no mesmo ônibus. Olham-se,
outros dormem, e ninguém quer saber de ceder o seu lugar (?) aos que realmente
teriam direito àquele assento segundo a lei e o espírito humano. Continuam por
horas. E do peito retumbante grita a voz senil: “Vocês são estudantes? São sim!
Dá para perceber nestes olhos cansados, nestas atitudes inadequadas, no
comportamento irracional que se conservam... O que aprendem nesta tal de escola?
Memorização! Nada mais! Já escutaram falar em gentileza, cidadania, amor,
humildade, direitos e deveres, legalidade? Pressuponho que não! Então, meus
caros, jovens aprendam com a vida, observem ao seu entorno, olhem para as
pessoas, vejam o seu semelhante e tente enxergar a sua alma; não perca tempo, observe
ao sol, preste atenção nas estrelas, cheire as flores, ouça o canto dos pássaros
e com o tempo conseguirão distinguir cada um... Abra as janelas de seu quarto,
respire ao ar que adentra, arrume a sua cama, tome um café da manhã (aquele),
olhe os seus colegas, observe seus professores, admire aos seus familiares,
valorize o ser humano, não os descrimine pelas suas vestes, por sua maneira de
falar, pela sua posição social, pela sua etnia, pelo seu peso, por sua idade,
pois somos todos humanos, vamos todos para a mesma terra, seremos devorados pelos seres telúricos,
mais cedo ou mais tarde, pois esta é a beleza da vida, ou seja, ter
conhecimento que um dia ela acaba e que necessitamos saber vivê-la...”. Os
estudantes se silenciaram, continuaram sentados, alguns dormindo...
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