quarta-feira, 16 de maio de 2007

O bicho homem e sua refeição

Fui até o supermercado comprar alguns ingredientes que faltaram para o preparo de um belo e saboroso prato. Não sabia ao certo o que compraria, pois a lista estava guardada em meu bolso, pois minha mulher deixara pronta. Escrita com uma caligrafia perfeita, tipicamente feminina, arredondada, os tópicos eram poucos, mas essenciais para o finalizar do cozido. Depois de alguns passos atravessara uma quadra e lá, todo imponente, morava o supermercado. Repleto de detalhes, poucas exigências, mas muitos seguranças. As garotas dos caixas sempre sorrindo, amarelo em alguns dentes agredidos pelo fumo; outras mostravam na face a perfeição de misses (e por que ali estavam?). Na porta o gerente recebia a todos com um boa-noite e mais a frente homens de gravatas e calças sociais fiscalizavam todo território daquele estabelecimento. Senti que ali não era um supermercado, mas um local para se passar o tempo, esquecer-se da vida, dar vazão à imaginação... O ar condicionado que saia daqueles enormes tubos dava a sensação de uma vida mais amena, mais refrescante, ausente do calor emanado pelo Sol que não tem mais a camada de ozônio impedindo sua fúria. O tempo foi passando e o carrinho que dirigia pelos corredores enormes do supermercado tornou-se repleto de suprimentos, pois alguns que ali estavam foram postos pela minha vontade, desejava fazer uma surpresa a mulher que me esperava e que ao longo desses anos só manifestou amor por minha pessoa, confesso estar enlouquecido pela flechada do cupido. Terminado o passeio pelas avenidas internas, cheguei ao caixa, não muito satisfeito, mas feliz por estar levando aquilo que me fora pedido e poder surpreender aquela que se ama. Sacolas em mãos, depois do empacotamento feito pelo jovem de nome Almir, despedi-me da moça do caixa e dos demais funcionários seguindo o meu destino... Na esquina das ruas Espírito Santo e Demétrio Ribeiro lixos espalhados pela calçada, um fedor que não se suportava. Caixas, ovos, tomates podres, papel higiênico usado, latas vazias de óleo, vísceras de peixe, cachorros brigando por um pedaço de alimento e lá no meio um cidadão. Homem como eu, você, ser humano dotado dos mesmos elementos que nos faz viver. Ser racional que foi concebido através do sêmen de um pai e o útero de uma mãe. E onde estão esses cidadãos que não salvaram o seu pupilo desta tragédia? A sociedade foi a culpada, bradam os geradores deste ser humano. Mas e eles: o que fizeram? Nada, abandonaram-no e fizeram dele um cidadão do mundo, que hoje se alimenta dos restos deixados pelos seus semelhantes. Abri a porta do apartamento, deixei os ingredientes para minha esposa cozinhar e naquela noite optei por não comer.

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