segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O choro da terra

Lá embaixo, onde os sapos coaxam e o asfalto ainda não deu sinais existe uma chácara. Com um lago e vários animais, diversas plantações, pessoas trabalhando diariamente e uma família feliz são os seus proprietários. Harmonia. Ali impera a placa com o nome “Parque da Harmonia”, este dado pelos antepassados dos atuais donos. O nome não foi implantado por acaso, o clima é mesmo harmonioso. Pai, mãe, filhos. São trabalhadores e não se vêem como proprietários, trabalham incansavelmente. São orientais. Os primeiros imigrantes dessa família desembarcaram aqui no Brasil, mais precisamente no porto de Santos, em 1912. Expandiram-se. Optaram pelo interior.


Acostumei-me a passar todos os dias por aquela bela paisagem, observando cada gesto dos responsáveis e seus amigos (trabalhadores). Quantas vezes não me deram frutas colhidas naquele instante das amoreiras, mangueiras, jabuticabeiras entre outras; ontem mesmo levei alface para que minha mãe pudesse prepará-la para o almoço. Nestes tempos de calor intenso há necessidade de optar pela salada. E não é só a mim que eles conferem esses privilégios, vários vizinhos são contemplados pelo agrado dos “japoneses”, como são carinhosamente chamados.

Nunca bradarei contra aquela família, são ausentes as discussões que às vezes acometem aquela região da cidade. Hoje o bairro deixou seus antigos moradores partirem, ficaram apenas os filhos e netos que por sinal não possuem educação. São amantes de uma baixaria. Quantas vezes viram a polícia por ali parar e levar para a delegacia vizinhos envolvidos em confusão? Agora me perguntem se os membros daquela família estavam envolvidos, é claro que não. São de pouca prosa, mas não perdem um domingo de missa. Ainda mais agora, que viram que a Igreja é para todos. Na verdade ela sempre foi, mas nestes tempos adaptou-se ao momento e as pessoas. Que bom!

Tenho muita amizade com um dos filhos do casal, ele faz Agroecologia e me reclamou daquelas pessoas que vão à Igreja, cumprimentá-lhe e nunca mais olha na sua cara mesmo se o encontrar pelas ruas. Pois é, nem todos absorvem o que é dito nos sermões. Deixa pra lá. As hortaliças, frutas, legumes vendidos e consumidos pelos donos da chácara não possuem agrotóxicos. São limpos. A terra é boa. Eles a sabem cativar. Sabem afagá-la. E a terra apenas retribui. É como aquele que cultiva a rosa: ela florescerá apenas se tratada com carinho e amor. Eles sentem a vida de seus vegetais e atribui a terra sua maternidade.

Fico imaginando quantas pessoas possuem terras por esse mundo e deixam-na improdutivas. Não plantam. Não semeiam, não há amor. Vida, cadê? Podem contar que o coração desses que da terra esperam apenas o capital, segue amargurado. Eles não relatam, mas lá no seu abismo cutucam as mãos da ingratidão.

Hoje escrevo triste, pois alguns sem-terra e sem-teto invadiram a chácara já faz dois anos e nenhuma providência foi tomada. Estamos aqui no velório, enlutados pelo passar do chefe desta família que vos escrevo. De tanto esperar ele acabou enforcando-se numa das amoreiras.

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