sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A arte Necrófila

Pensar em arte é uma tarefa árdua nos tempos atuais, guiados pelos modismos caprichosos tecnológicos. Inserir-se em arte é um momento vivido por poucos, os escolhidos, mas produzir arte torna-se um momento sublime, reinado conferido a dois ou três brasileiros, seis ou sete estrangeiros, isso atualmente, pois no passado nossos artistas apresentavam-se ao mundo em milheiros e de qualidade ímpar.

Nestes anos caminhando pelas veredas literárias adquiri o hábito de contemplar todo tipo de arte, instante conquistado pela Literatura, dotada das mais belas e imponentes manifestações artísticas, reverenciada através dos séculos e exaltada pelos seres de sensibilidade aguçada. Pena que a Literatura hoje revive o passado, muito glorioso, mas que dá sinais de que o presente é medíocre.

A arte faz-se presente em nosso dia-a-dia, insere-se nas mais simples e mínimas manifestações, muitas vezes imperceptíveis ao olhar fixo, pesado, do ser humano, exigindo dos seus apreciadores meios lícitos e normais, inadequados a uma geração atípica aos afazeres artísticos. Mas enganam-se aqueles que pensam que a arte não é para todos, rotulando determinadas manifestações artísticas como aderentes aos burgueses, aos portadores do Ensino Superior, autoridades, membros acadêmicos etc. Brecht acreditava que a ópera (gênero musical reverenciado pela classe mais abastada) deveria expandir-se para a população carente. Se não aprenderem a olhar, não tiverem acesso a este espetáculo como poderão contemplá-lo? Lembro-me do Ziraldo e sua voracidade em incluir o livro na cesta básica do brasileiro. Nada mais justo e coerente. Ver para crer?! Ingerir arte, eis a solução!

As Vanguardas, manifestadas ao final do século XIX e início do século XX possuíam o propósito de chocarem. Futurismo, Dadaísmo, Cubismo, Surrealismo foram movimentos importantíssimos para o questionamento e direcionamento da arte no mundo. Marcel Duchamps e seu “Urinol”, além da obra “Monalisa” de barba e bigode; Marinet surge com a imposição do progresso; Picasso tendo em “Guernica” a manifestação dilacerada dos confrontos armados; o Surrealismo inspirado pelas descobertas de Sigmund Freud. Aqui no Brasil os modernistas da Semana de 22 absorveram idéias vanguardistas, ganhando contornos as obras de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira etc. E nesse emaranhado de sugestões a arte ganha “status” sendo difícil defini-la. Vou mais adiante e me intrigo com a arte exposta nos cemitérios, a arte necrófila, disposta em túmulos. Será que as obras póstumas, ou seja, feitas para reverenciarem aos mortos serão arte?

A Estética sempre pautou o Humano, guiou suas escolhas e conduziu decisões, ficando a frente de qualquer outra medida decisória. E mesmo depois de mortos, os entes não são esquecidos, dando margem à construção de uma morada fúnebre. Nesse momento afloram-se as disputas entre as classes sociais: ricos erguendo verdadeiros monumentos mumescos, templos admirados por aqueles que por hábito visitam a morada dos mortos; pobres enriquecendo de concreto suas tumbas pagas com sacrifício, muitos alimentados pela terra vermelha daquele solo seco, fétido, sem chuva; flores de plástico que não morrem sendo trocadas pelas verdadeiras, naturais, mantidas diariamente pelo capital dos mais abastados. Mas onde está a arte? Sacra ou profana? Representa-se nas imagens de santos ou na ousadia de fotos ou dizeres. Está na composição do material empregado ou na simples junção de um punhado de terra jogado no momento da partida. A arte está ali: quando a última gota de chuva pinga e molha aqueles corpos vestidos de preto para saudar a morte. A arte não morre, passa pelo final como que se o seu poder fosse muito, mas não, é simples como a tinta rasgando o papel, como a flor ao desabrochar clamando por vida. A arte é bela para alguns por ser levantada com dinheiro suado de milhões de trabalhadores que pagam os seus impostos, mas apreciada por outros por demonstrar a riqueza da simplicidade o alcance da humildade, o pingar das lágrimas verdadeiras, adicionados ao olhar singelo do ser humano, mesmo que morto.



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