quinta-feira, 14 de abril de 2011

Retrato

Olho para o espelho e me vejo: sorriso amarelo, não desgastado pelo cigarro, mas talvez a força que faço para ver os meus dentes superiores em contato com os que completam a minha arcada.


Na boca os lábios já não se umidificam como de costume, talvez falte água.

Os cabelos já não são os mesmos, cresce fraco, sem brilho, sem o cumprimento do passado e quebradiço. Os fios brancos aparecem em abundância e lá na barba insistem em progredirem. Almejo cortá-la, mas não tenho coragem pelo volume que se expande dando sinais de que aquele garoto já não existe mais. Entre os poucos fios que ficaram sobre a cabeça, que insiste em pensar, uma cratera abre-se dando sinais que o desmatamento é maior do que esperava.

Na pele as manchas brancas tomam conta da cor de jambo que nasceu comigo, levando-me ao encontro com a pomada. As acnes já não querem proliferar, dando lugar a uma oleosidade que faz com os óculos escorreguem de sua base nasal, fazendo-me mais velho. As bolsas pretas que se formam em volta desses olhos que já foram feitos jabuticabas (hoje são opacos devido à anemia que se aproxima e mantém-se estagnada) avolumam-se dando sinais de que a hora para retirada desse excesso de gordura é agora, pois depois nos acostumamos.

Dos braços apenas um presta, o outro foi restaurado pela inserção de titânio e quase sempre é afetado pelas dores intensas e sem reclamo, além disso, a marca da cirurgia aparece causando espanto naqueles que observam. Sinal para o século.

As pernas tortas se afinam como dantes dando espetáculos humorísticos e não com a habilidade futebolística que as de Garrincha apresentaram. Joelhos enormes, que saltam nas mais largas calças. E seus pêlos caem, desanimam-se com a falta de ar.

Os pés descascados pedem tratamento, espantando a mais dedicada das podólogas. Unhas por fazer, reclama-se do chulé, porém é um pé que não vê o sol nascer ou mesmo se pôr. Seus dedos são juntos tendo amedrontado os meus antepassados, que acreditavam em sinais.

No cérebro a inteligência que insiste em se expandir, mas o descrédito humano a ignora dando margens ao capital. No coração dois amores, que muitas vezes curto calado, manifestando-me no silêncio. A voz narra à verdade, muitas vezes não tão verdadeiras, mas verdades que se acoplam aos sonhos, dando vida a este ser que acha que sabe escrever.

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