Ele chegou
repentinamente e atinou-se a tocar a campainha. Assustado, pautado na leitura
de um livro que se encerrara, retirei o fone do seu estado de origem e o
atendi. Ele exclamou:
- Há um prato
com comida?
Confesso aos
amigos leitores que me intriguei com a colocação correta da preposição “com” e
não a costumeira “de”, usada abundantemente pelos falantes amigos e inimigos.
Poderia ter titubeado e logo sair convidando a ele para subir, porém os dados
apresentados pelas redes imperialistas de TV e qualquer outro meio de
comunicação são desfavoráveis à amizade com desconhecidos (...). O não saiu
como minha resposta, mas ele não se convenceu e insistiu:
- Podemos
conversar? Só necessito ser ouvido!
O silêncio
sepulcral tomou conta daquele diálogo. Nenhum vocábulo pululou, porém o
silêncio é parte da comunicação e, também, uma forma de estabelecer e manter
aos discursos. As palavras podem não ser soadas, entretanto o contato está
sendo mantido. Neste tempo pensei, refleti e cheguei a uma conclusão: desejava
recebê-lo. Sei que não o conhecia, nem mesmo o seu rosto vi, entraria em casa
um desconhecido, mas o seu pedido para ser ouvido mais a colocação
preposicional correta chamaram-me a atenção. E como ele há muitos a serem
ouvidos, descartados pela sociedade, julgados e decretadas suas sentenças sem
piedade. Enquanto há animais que dormem no Congresso acumulando riquezas e bens
retirados de uma sociedade que se apiedou de seus comandantes, nas ruas há
milhares destes cidadãos clamando por justiça, apenas um pouco, uma
oportunidade, querem, necessita serem ouvidos.
Mas não, a
sociedade se agiganta quando a questão da injustiça social é colocada à prova
ou mesmo questões como esta em que o ser humano quer atenção. Condenam sim e
pedem sua execução, enquanto há pessoas que acreditam na conduta ilibada do
Renan Calheiros, no coração puro do Sarney, na honradez do Fernando Collor de
Mello e outros tantos que passeiam livremente pelas ruas deste País.
Quando eu paro
para ouvir este senhor que foi um publicitário e que perdeu tudo depois de uma
desilusão amorosa, ouço muitos brasileiros clamando por socorro, vejo no rosto
de cada um a marca da tristeza, o momento do desespero, a saudade daquela vida
que não era mundana. Se o tráfico o pegou pode ter sido sim por sua fraqueza,
porém ele pode sim ter o direito de voltar a sonhar com uma vida fora das
drogas, fora do mundo do crime; assim também acontece com a prostituta ou mesmo
as crianças e adolescentes que clamam por um lar. Será que eles não devem ser
ouvidos? Será que são só os políticos que possuem o direito de errar e
continuar errando sem serem punidos? Os injustiçados socialmente podem ter
errado, porém a sua consciência os levam a penitenciar e pedem ajuda, clamam
por um momento de acolhida, ao contrário destes que lá em cima fazem a sua
injustiça social.
Durante a
conversa aquele senhor de 50 anos me relatou toda sua vida, seus sofrimentos,
seus desejos e sua vontade de mudar. Talvez o tráfico e o envolvimento com uma
prostituta pudesse levá-lo ao desânimo, mas a sua ânsia por mudar era
suficiente e com certeza trabalharíamos para mudar a sua vida.
Não renegue
este momento especial para algumas pessoas, desta forma estaríamos ajudando
muitos que desejam apenas serem ouvidos, apenas ouvidos.
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