domingo, 17 de março de 2013

Ouçam


Ele chegou repentinamente e atinou-se a tocar a campainha. Assustado, pautado na leitura de um livro que se encerrara, retirei o fone do seu estado de origem e o atendi. Ele exclamou:
- Há um prato com comida?
Confesso aos amigos leitores que me intriguei com a colocação correta da preposição “com” e não a costumeira “de”, usada abundantemente pelos falantes amigos e inimigos. Poderia ter titubeado e logo sair convidando a ele para subir, porém os dados apresentados pelas redes imperialistas de TV e qualquer outro meio de comunicação são desfavoráveis à amizade com desconhecidos (...). O não saiu como minha resposta, mas ele não se convenceu e insistiu:
- Podemos conversar? Só necessito ser ouvido!
O silêncio sepulcral tomou conta daquele diálogo. Nenhum vocábulo pululou, porém o silêncio é parte da comunicação e, também, uma forma de estabelecer e manter aos discursos. As palavras podem não ser soadas, entretanto o contato está sendo mantido. Neste tempo pensei, refleti e cheguei a uma conclusão: desejava recebê-lo. Sei que não o conhecia, nem mesmo o seu rosto vi, entraria em casa um desconhecido, mas o seu pedido para ser ouvido mais a colocação preposicional correta chamaram-me a atenção. E como ele há muitos a serem ouvidos, descartados pela sociedade, julgados e decretadas suas sentenças sem piedade. Enquanto há animais que dormem no Congresso acumulando riquezas e bens retirados de uma sociedade que se apiedou de seus comandantes, nas ruas há milhares destes cidadãos clamando por justiça, apenas um pouco, uma oportunidade, querem, necessita serem ouvidos.
Mas não, a sociedade se agiganta quando a questão da injustiça social é colocada à prova ou mesmo questões como esta em que o ser humano quer atenção. Condenam sim e pedem sua execução, enquanto há pessoas que acreditam na conduta ilibada do Renan Calheiros, no coração puro do Sarney, na honradez do Fernando Collor de Mello e outros tantos que passeiam livremente pelas ruas deste País.
Quando eu paro para ouvir este senhor que foi um publicitário e que perdeu tudo depois de uma desilusão amorosa, ouço muitos brasileiros clamando por socorro, vejo no rosto de cada um a marca da tristeza, o momento do desespero, a saudade daquela vida que não era mundana. Se o tráfico o pegou pode ter sido sim por sua fraqueza, porém ele pode sim ter o direito de voltar a sonhar com uma vida fora das drogas, fora do mundo do crime; assim também acontece com a prostituta ou mesmo as crianças e adolescentes que clamam por um lar. Será que eles não devem ser ouvidos? Será que são só os políticos que possuem o direito de errar e continuar errando sem serem punidos? Os injustiçados socialmente podem ter errado, porém a sua consciência os levam a penitenciar e pedem ajuda, clamam por um momento de acolhida, ao contrário destes que lá em cima fazem a sua injustiça social.
Durante a conversa aquele senhor de 50 anos me relatou toda sua vida, seus sofrimentos, seus desejos e sua vontade de mudar. Talvez o tráfico e o envolvimento com uma prostituta pudesse levá-lo ao desânimo, mas a sua ânsia por mudar era suficiente e com certeza trabalharíamos para mudar a sua vida.

Não renegue este momento especial para algumas pessoas, desta forma estaríamos ajudando muitos que desejam apenas serem ouvidos, apenas ouvidos.

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