segunda-feira, 3 de março de 2014

Crucificação Moderna

Estava passando pelo centro da cidade, desabitação carnavalesca, típica de uma segunda-feira de Momo e havia uma aglomeração de pessoas próximas a alguns camelôs que diziam estar ali para ganharem o seu “pão de cada dia”. Foi quando olhei bem, com estes olhos de lince ganhos através destas lentes contra a miopia e o astigmatismo e foquei naquele adolescente, quinze ou dezesseis anos, amarrado em uma placa de trânsito, uma espécie de crucificação moderna, clamando por ajuda.
                Alguns camelôs e pessoas que passavam pelo local pediam a cabeça do menor, outros bradavam que ele deveria apanhar mais. O rosto cobria-se hemorragicamente, o garoto urrava, os agentes de trânsito se posicionavam, mas eram contra a crucificação do guri num poste da EPTC. A polícia não tinha sido avisada ou fazia ouvidos moucos para este tipo de linchamento público. Os camelôs, que se diziam legais perante a Lei, afirmavam terem sido roubados pelo garoto que saiu com um pedaço de melancia nas mãos, com certeza para saciar a fome ou mesmo para abater ao calor escaldante que por estas bandas voltou a fazer.
                Fiquei arrasado, aterrorizado com a crueldade que assola aos seres humanos e liguei para a brigada militar. Fui logo atendido e apresentei pausadamente ao fato, ao que via e ficava indignado, mas um senhor truculento tomou o meu celular e o jogou no chão fazendo-o em pedaços. Reclamei, bradei, gritei pelos soldados, mas logo muitos cidadãos aproximaram-se de mim e me intimidaram. Não tinha mais polícia, e o linchamento continuou. O guri gritava, a dor era muita. Alguns sorriam, outros aplaudiam, mais a frente um grupo de senhoras bem vestidas comentavam que aquela era a melhor atitude, uma vez que a polícia nada faz. Noutro lado da calçada outros guris berravam, soltando gritos ensurdecedores em apoio aos camelôs. E nada da polícia...
                E assim outros serão amarrados, linchados, atirados à Justiça Popular, porém só negros, pobres, moradores de rua, prostitutas, cidadãos excluídos pela sociedade. E ninguém viu, os direitos humanos realizam vistas grossas e caminhamos por esta crucificação moderna.

                Não aguentei esperar por Justiça, a polícia não chegou, parti... E o guri ali sendo executado pela população que fazia justiça com as próprias mãos! E nossas autoridades nada...

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