Queria escrever... Foi a gota d’água.
Como poderia durante tantos dias evitar me aproximar do papel? Tudo parecia
estranho... O lápis, a caneta, a folha dona de linhas tortas, o cheiro dos
livros em que me inspirava para tecer os meus artigos, tudo se encontra
desgastado, chato, diferente do que acontecera há exatas duas semanas.
Gente:
eu sempre li, escrevo oficialmente para os periódicos desde os meus dezesseis
anos e nunca senti aversão dos meus instrumentos de trabalho. O médico que é
médico não pode deixar a profissão, depois de alguns anos, simplesmente pelo
fato de contrair aversão ao sangue. Ele, o sangue, faz parte deste processo. Está
embutido na massa que lhe é oferecida, o cuidado com o corpo humano; assim,
também, acontece com o gari, com o coletor de detritos humanos, caso possua
medo de pegar um saco de lixo ou mesmo aquele que se encontra espalhado, caso
não o colete está “ralado”, é desemprego na certa.
Minha mãe durante boa parte de sua vida desenvolveu diversas funções para ser
criada, pelos seus pais, e para criar aos seus filhos aos quais eu me incluo.
Passou pela coleta de laranja, limão, algodão, amendoim, goiaba, tomate; também
fez da profissão diarista nosso “ganha pão”. Na primeira iniciou-se aos sete
anos, meio sem saber o que deveria realizar, mas aprendeu, na “marra”,
acordando antes do sol nascer e retornando quando ele dava lugar à Lua. Foi
picada por mosquitos, teve febre, vômitos, dores, mas teve que continuar
lidando com o seu ofício; já como diarista eu me lembro da sua garra, mesmo
grávida, limpando à casa das suas clientes. Quantas vezes estive junto dela
observando puerilmente a sua jornada hercúlea. Ela firme, forte, persistente e
o dinheiro do leite ao final do dia. Ela não desistiu...
Meu
pai, dono de mãos lisas, não chegou a conhecer um cabo de enxada, porém não
deixou de trabalhar. Entregava as roupas confeccionadas pela minha avó Carmem
para suas respectivas donas isso na sua primeira década de vida. Estudou, não
se tornou doutor como almejavam os pais da época, mas se fez profissional, uma
pessoa de talento. Lia incansavelmente, escrevia nas mesmas proporções e fez
disto sua profissão. Tornou-se jornalista, viajou pelo Brasil destinado a
trabalhar, mas sempre estava pronto a escrever e a ganhar o peixe através do seu
estilo jornalístico impagável. Está certo que teve os seus momentos de ausência
da razão, porém não deixou a escrita de lado. Mostrou que era guerreiro, bravo,
lutador. Que satisfação a minha ao ver o nome do meu pai sendo falado com
orgulho pelo senhor Galeno Amorim, jornalista, escritor, presidente da
Biblioteca Nacional ou mesmo pelo Eraldo do telejornal apelidado de Jornal
Nacional. Pois é... E minha mãe sendo homenageada pelas suas colegas de Ensino
Médio ao final do seu último ano. Era mais uma formanda depois de tanto esforço
pela sua vida. E quando as suas companheiras de trabalho, minhas colegas
professoras, apresentam-me Ela (minha Mãe) como referência pela sua humildade,
simpatia e honestidade...
Agora,
de que valerá minha vida se eu tiver aversão aos meus instrumentos de trabalho?
Já chega! Tive exemplos demais para desistir no meio do caminho...
Um comentário:
Gosto de ler teus artigos pois sempre parte do concreto da realidade continue escrevendo ....
abraços
Luis Carlos
Postar um comentário